sexta-feira, 25 de junho de 2010

Crash!

O forte sol de meio-dia queimava minha pele há mais de 20 minutos, tempo em que eu permanecia preso naquele ponto de ônibus. Olhei o relógio recém-consertado pela terceira vez em menos de cinco minutos e para o horizonte pela nona vez, no mínimo.


Nada.


Eu cruzava e descruzava os braços, Vans e Kombis despejavam seus passageiros próximos a mim. Colocava as mãos nos bolsos, tirando a esquerda constantemente para olhar o relógio mais algumas vezes. Eu não dava muita atenção à movimentação ali, até que ela desceu.


Eu tinha a estranha sensação de conhecê-la, de já tê-la visto em algum lugar... Impressão? Não. Certeza! Era real demais. Mas onde? Quando? Aqueles belos olhos verdes, não era a primeira vez que cruzavam com os meus. Não era a primeira vez que eu via o seu breve sorriso causar aquelas irresitíveis covinhas em seu rosto tímido, nem tampouco a primeira vez que eu via seu cabelo dançar ao vento. Ela atravessava a rodovia enquanto eu me afogava em pensamentos.


Onde?


Quando?


Nem vestígio de lembrança, nem qualquer mínimo sinal. Emergi à realidade assustado, pensando ter ficado nesse estado mental durante muito tempo. Olhei para o lado oposto na esperança de ainda vê-la, de segui-la com os olhos. A duas esquinas de distância pude vê-la entrando numa rua, de mãos dadas com alguém que presumi ser seu namorado.


Tentei levar com bom humor e ri daquela que talvez fosse a decepção amorosa mais rápida da minha vida. Olhei mais uma vez o relógio e continuei a esperar meu ônibus. Mas, sem aviso prévio algum, um estalo me atingiu.



Eu sei de onde a conheço, eu lembro onde eu a vi:


Em algum de meus mais belos sonhos diurnos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

"Permita que eu possa adormecer"

Confira a primeira versão em: A Noite Passada
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De olhos abertos e fixos na janela que dava para o condomínio ao lado, ele segurava com a mão esquerda o café já quase frio que tomava. Não piscava, apenas movia lentamente o polegar direito sobre seu queixo, alisando uns poucos fios de barba que nasciam após dois dias sem fazê-la. Engoliu o restante do café de uma só vez, deixando a xícara sobre uma mesinha que ficava sob a janela, levantando-se e caminhando instintivamente em direção ao banheiro. Analisou seu rosto pela segunda vez naquela manhã, como quem procura a resposta de uma pergunta ainda desconhecida. O espelho não costumava mentir.

Ainda amanhecia ali e o sol teimava em se levantar, tanto quanto ele teimara se deitar até agora. Havia chegado em casa há pouco mais de uma hora e, mesmo que conseguisse, dormir não ajudaria muito. Sorriu ao perceber o quão longe já estava em seus pensamentos; com uma das mãos ainda apoiadas sobre a pia, abriu a torneira e deixou a água cair por alguns segundos antes de lavar novamente o rosto. Olhou-se uma última vez no espelho, fechou a torneira e saiu em direção à sala. Sentou-se no sofá e inclinou-se para frente, esticando o braço para pegar o celular que estava sobre uma mesa de centro, já quase sem bateria. Acessou a agenda e apertou três vezes a tecla “7”, avançando rapidamente para os nomes iniciados pela letra “R”. Não demorou para que encontrasse o número que queria. Visualizou-o por alguns segundos, olhou para o relógio na parede, concluindo que ainda era cedo demais para incomodar alguém.

Pegou a xícara vazia e ainda suja de café que abandonara na mesa próxima à janela e foi até a cozinha enchê-la novamente. Sentou-se novamente no sofá e ligou a TV, com o controle remoto na mão direita. Passou por todos os canais até retornar para o rotineiro noticiário matinal. Assistiu distraidamente a uma ou duas matérias sobre crises diplomáticas na Europa, crises financeiras na Ásia, crises, crises... Desligou a TV e tomou uma decisão.

Entrou novamente no banheiro, desta vez apressado e convicto. Barbeou-se sem demora e tomou um banho gelado. Não encontraria os amigos como havia combinado, tampouco pretendia ligar para avisá-los. Em vez disso, vestindo-se apressadamente, pegou novamente seu celular e, já trancando a porta ao sair de casa, foi direto ao mesmo número que havia olhado minutos antes na agenda; apertou o botão de discagem antes que pudesse se arrepender novamente. Quando ouviu o primeiro toque da chamada, já sabia que não poderia voltar atrás. Não sabia ainda, porém, o que falar.

Descia as escadas pulando degraus quando, após o terceiro toque, uma voz feminina ainda um pouco sonolenta o atendeu:

- Alô?

- Alô, Renata?

Segundos silenciosos antecederam a pronúncia receosa e um pouco incerta do outro lado da linha:

- Bernardo?

Um largo sorriso desenhou-se em seu rosto.