Sabe toda aquela conversa de espírito natalino, clima de bondade, promessas de fim de ano e tal?
Quer mesmo saber? Não, você não quer.
Acredite no que quiser.
Três semanas depois, estou de volta à minha casa. Os dias têm sido árduos, cansativos, até mesmo os fins de semana, mas ao mesmo tempo têm sido bastante agradáveis. Vai entender.
Quem diria que elas estariam certas? Consegui o emprego que almejava, estou me dedicando e conseguindo resultados, estou fazendo ótimas amizades e há muito pouco do que possa reclamar. Ando adquirindo umas marcas não muito atraentes nas mãos, ontem fiz uma bem feia no dedo, mas em compensação outras marcas bem piores que eu tinha em minha alma estão se dissipando. A verdade é que a dor física é mais fácil de suportar.
É fato também que me sobra bem menos tempo pra escrever aqui, mas hoje me sobra bem menos tempo pra quase tudo. Eu não enxergo isso como desperdício, mas como aproveitamento.
Homecoming (feat. Chris Martin) - Kanye West
E sobre aquilo que eu andava pensando... Eu não preciso de um amor agora, TV a cabo já está bom.
Maybe we can start again ♫
O forte sol de meio-dia queimava minha pele há mais de 20 minutos, tempo em que eu permanecia preso naquele ponto de ônibus. Olhei o relógio recém-consertado pela terceira vez em menos de cinco minutos e para o horizonte pela nona vez, no mínimo.
Nada.
Eu cruzava e descruzava os braços, Vans e Kombis despejavam seus passageiros próximos a mim. Colocava as mãos nos bolsos, tirando a esquerda constantemente para olhar o relógio mais algumas vezes. Eu não dava muita atenção à movimentação ali, até que ela desceu.
Eu tinha a estranha sensação de conhecê-la, de já tê-la visto em algum lugar... Impressão? Não. Certeza! Era real demais. Mas onde? Quando? Aqueles belos olhos verdes, não era a primeira vez que cruzavam com os meus. Não era a primeira vez que eu via o seu breve sorriso causar aquelas irresitíveis covinhas em seu rosto tímido, nem tampouco a primeira vez que eu via seu cabelo dançar ao vento. Ela atravessava a rodovia enquanto eu me afogava em pensamentos.
Onde?
Quando?
Nem vestígio de lembrança, nem qualquer mínimo sinal. Emergi à realidade assustado, pensando ter ficado nesse estado mental durante muito tempo. Olhei para o lado oposto na esperança de ainda vê-la, de segui-la com os olhos. A duas esquinas de distância pude vê-la entrando numa rua, de mãos dadas com alguém que presumi ser seu namorado.
Tentei levar com bom humor e ri daquela que talvez fosse a decepção amorosa mais rápida da minha vida. Olhei mais uma vez o relógio e continuei a esperar meu ônibus. Mas, sem aviso prévio algum, um estalo me atingiu.
Eu sei de onde a conheço, eu lembro onde eu a vi:
Em algum de meus mais belos sonhos diurnos.
O tempo custava a passar. Seus braços só se descruzavam para olhar os ponteiros do relógio que pareciam não se mover. Logo após fixava novamente os olhos na bola, sem deixar de conferir a todo momento o posicionamento dos defensores. Estava indo bem até ali, mas o primeiro tempo parecia não querer terminar. De suas unhas, à essa altura, sobravam poucos vestígios. Olhou para trás, para a imensidão da torcida adversária que parecia estar prestes a desabar sobre ele. Ironicamente, isso não o assustava muito.
Tenho mais medo da minha própria torcida.
Estava calado há quase cinco minutos, parecia uma eternidade. Gritou uma vez mais o nome do seu líbero, indicando apenas com o olhar o posicionamento que queria. A comunicação visual era um trunfo em meio ao barulho produzido naquele verdadeiro caldeirão.
39 minutos... Com sorte o árbitro não daria muitos acréscimos. Queria encerrar logo a primeira etapa. Para ele o intervalo seria tão ou mais importante do que a postura da equipe com a bola rolando. Olhou para o banco de reservas, analisando suas opções, mas não precisaria de uma substituição, pelo menos por enquanto. O painel eletrônico ainda indicava o placar zerado. Com um pouco de sorte, assim permaneceria até o fim do jogo.
O time adversário começava a dar sinais de nervosismo, impaciência, cometia erros primários. Isso o fazia sorrir, quase tanto quanto ver o tempo passar rapidamente. Distraído, virou as costas e caminhou até o banco para sentar-se, mas antes que pudesse se acomodar ouviu um grande estouro em gritos inflamados, quase uníssonos:
GOOOL!
Olhou para o campo atordoado, seus defensores tão ou mais perdidos do que ele entreolhavam-se dentro da área enquanto o goleiro buscava a bola no fundo da rede. Numa fração de segundo, num ato quase instintivo, olhou para o juiz, na esperança de que este marcasse qualquer irregularidade. O árbitro apitava apontando para o centro do campo: fim do primeiro tempo.