sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

"Câncer"



Ultimamente tenho me esforçado muito para cumprir uma promessa que fiz para mim mesmo. Aliás, essas são as promessas mais difíceis de cumprir, especialmente por eu não ter contado para mais ninguém, poderia simplesmente descumpri-la e esquecê-la. Ninguém tomaria conhecimento do meu fracasso. Ninguém...

Exceto eu.

Bem, sem mais delongas... Sempre me considerei muito cético. Não apenas cético, mas crítico, pessimista, um vivo exemplo, ávido seguidor e pregador da Lei de Murphy e tal. E sempre me acostumei a achar que isso me tornaria um indivíduo mais racional, frio e calculista, ou seja, apenas vantagens, não?

Não!

Não mesmo. Eu, o maioral racional aqui, demorei longos 21 anos para perceber que meu ceticismo trouxe-me pouquíssimas vantagens até hoje. E, mais do que isso, parece funcionar como um vasto desperdício de energia potencial, como uma fuga de corrente elétrica para a massa ou uma torneira aberta 24 horas por dia. Por isso me decidi a deixar de ser tão cético e, mesmo que não consiga em sua totalidade, tentar dosar minhas doses diárias de comentários e atitudes negativas a respeito de fatos (infelizmente) cotidianos que antes me faziam “perder a fé na humanidade”. O que, por motivos fartos e óbvios, nem sempre é tão fácil.

Há casos em que a reação mais natural e saudável parece ser o puro e simples ceticismo.

Nas últimas semanas tenho visto muitos debates acalorados na Internet a respeito de assuntos " " " polêmicos " " " que têm dividido opiniões (se você não entendeu as muitas aspas, faça um curso básico de ironia e torne a ler o texto). As posições em geral são as mesmas:

- Moralistas contra o (escandalosíssimo!) beijo gay na novela das 21h x liberais a favor dos usurpados até o último suspiro direitos dos gays (também na versão Jean Wyllys x Marco Feliciano): Obviamente, não existe meio-termo para quem debate sobre o assunto. Ou você acha a exibição da cena um ato libidinoso e um atentado à moral da família brasileira, ou acha lindo e maravilhoso e, logo, também deve ser gay. Gostaria de saber duas coisas: o que impede os moralistas e/ou quaisquer outros incomodados de simplesmente mudarem de canal e, dos gays e pró-gays, quais direitos a classe passou a adquirir depois dessa "quebra de paradigmas sem precedentes" que foi a exibição do beijo no famigerado horário nobre da ("alienadora e malvada") Rede Globo.

- Playsson stronda classe média “bandido bom é bandido morto”, “Tá com pena? Leva pra Casa!” x Humanistas “tadinhos dos pivetes, direitos humanos, coitados, não teve oportunidade na vida, merece tanto respeito quanto eu ou você”: Novamente, a filosofia do "opine sem moderação". O cara só pode ter dois possíveis destinos: morte, de preferência cruel e agonizante, ou o abrigo confortável proporcionado pelos "direitos humanos", o aconchego de uma cama, um banho quente, um eterno e renovável perdão por seus atos errados e criminosos devido a falta de oportunidades, ao ambiente inóspito em que nasceu, cresceu e moldou seu caráter. Ou se é rebaixado de sua condição humana a um nível animalesco (até me sinto mal em comparar certos sujeitos com animais, pois duvido que o pior dos predadores seja movido por instintos tão cruéis) ou diabólico, ou então os atos bajulatório e atenuador de suas ações são tamanhos que não se considera mais um simples humano, com capacidade racional e, portanto, uma grade de direitos e deveres que lhe são instituídos, mas tornando-o quase uma divindade, alheio a tais princípios mortais e, claro, vítima da opressão capitalista burguesa cripto-fascista beligerante pós-moderna. Um Messias contemporâneo, injustiçado como sempre.

- Pelo Direito Cívico de praticar o 'Rolezinho': Como levar a sério a juventude que, dentre tantos direitos que lhe são de fato usurpados diariamente, se incomoda de verdade quando é seu "direito de ir e vir nos Shopping Centers, paraísos do capitalismo opressor"? Como costumo dizer, esta juventude é muito efêmera. Alguns reflexos disso veremos, infelizmente, em outubro.

- Mais Médicos Cuba x Menos Médicos Brasil: Nessa discussão, que eu admito ser muito mais complexa do que como eu a costumo abordar, não faço questão de esconder que me declaro a favor do programa. A sensação que eu tenho é que tem muito médico (especialmente recém formados em faculdades particulares por aí) reclamando porque tá preocupado com a concorrência agora. Qualquer prefeito em plenas faculdades mentais vai querer receber os médicos cubanos, formados por algumas das escolas mais conceituadas da área a nível (no mínimo) continental e, mais ainda, com os gastos sendo arcados pelo governo federal, ou seja, ainda "sobra mais dinheiro" pro orçamento municipal. Quem em sã consciência não seria a favor disto? Mas, pessoalmente, considero o fato acontecido na notícia linkada acima o ápice do que já ultrapassa os limites da estupidez, seria algo como um pleno entorpecimento intelectual, o exemplo perfeito do sentido mais utilizado do termo "burrocracia": o pejorativo. É preferível deixar morrer a deixar viver, se assim for de acordo com os procedimentos. 

Desta forma, a enorme maioria da parcela mais bem-informada e (supostamente) inteligente de nossa sociedade parece render-se à comodidade da posição já cavada e calçada por um partidarismo unilateral e muitas vezes sectário. A moderação, o raciocínio crítico, a discussão e a reflexão aberta simplesmente inexistem em tais discussões, tão necessárias para nossa evolução social, tão acaloradas e, lamentavelmente, tão sem foco, sentido e/ou direção. Caminhamos firmemente e a passos largos sobre uma prancha suspensa num precipício acima de um colossal abismo de ignorância.

" (...) But only a few ever worried.
Though the signs were clear, they had no idea,
You just get used to living in fear...
Or give up... when you can't even picture your future...

We walk the plank with our eyes wide open…"

Que fique claro, não é minha intenção encerrar nenhuma destas discussões declarando minha opinião de forma absoluta e definitiva. Muito pelo contrário, essas nem são minhas opiniões absolutas e definitivas, muito ainda há a ser discutido, o fim não está nem mesmo remotamente próximo. Apenas sugiro uma nova abordagem, uma maneira mais construtiva e inteligente de se fazê-lo. 'Estar certo' talvez não seja o mais importante, afinal. 

O extremismo (para qualquer um dos lados) radical e exagerado adotado por esses “militantes” nos atrai para esses precipícios e nos afasta cada vez mais de um eventual ponto de interseção e equilíbrio a respeito questões de tamanha importância para a era em que vivemos, que, embora possa tender mais para um lado ou para o outro, acredito que esteja mais próximo do centro do que de qualquer uma das extremidades ideológicas desta discussão.

Nossa geração sofre de um grave câncer. Um câncer não apenas social, mas também moral, ético, político, econômico, intelectual... mal consigo enumerar as esferas afetadas por essa grave condição patológica. Nossa geração, meus amigos, volto a lhes dizer, sofre de um gravíssimo câncer. E as células cancerígenas somos todos nós.

"And that was the end of the story..."

3 comentários:

  1. Você resumiu tudo. Da melhor maneira. Parabéns, sem NENHUMA ironia.

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    1. Agradeço a leitura e o comentário. E, me desculpe se pareço meio lesado ao perguntar, mas... você está sendo ironicamente irônico(a) neste comentário, né? Embora não muita, há ironia no texto sim, nem por intenção mesmo, é quase involuntário às vezes, difícil evitar. Mas acho que de fato não comprometeu a exposição dos meus pensamentos.

      E mais uma coisa, sacie minha curiosidade: eu lhe conheço? rs

      De qualquer modo, obrigado novamente.

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